A borracha

Há um tempo ando desenvolvendo uma intimidade maior com as lapiseiras. Mais do que a que tinha com as canetas. Um dos motivos é que os corretivos, que apagam a tinta da caneta, são meio nojentos; cheiram mal e dão destaque ao erro. O corretivo é sempre mais branco do que a página; e em algumas folhas, é possível olhar pelo outro lado e descobrir o que se estava tentando esconder.

Já a borracha é diferente. Uma boa borracha apaga o erro e não deixa rastros. Ela me possibilita começar de novo, do zero, sem marcas e sem cheiros.

A única coisa que a borracha produz são fiapos dela mesma, que se soltam conforme ela é esfregada na superfície do papel. Nada que um sopro ou uma sacudida não resolva. E meus erros se dissolvem junto com os fiapos esparramados pela mesa.

Como se não bastasse a intimidade com lapiseiras, de uns tempos para cá, resolvi juntar esses fiapos, correndo o risco de ser tachada de anormal. Os fiapos me incomodavam, pois além de existirem em grande quantidade, se espalhavam de forma aleatória. Resolvi, então, agrupá-los em forma de bolinha. Alguns dias de coleta e já tenho quase uma bolinha de gude, feita apenas com as sobras da borracha.

Além de me entreter, a esfera com consistência de massinha me fez pensar em como alguns dos meus erros são concretos. Cada milímetro dela só existe porque errei, e tive que lidar com o fato e tomar uma providência.

De tanto errar, meus erros se tornaram pegáveis. E como não podia deixar de ser, transportei o fato para uma área mais ampla da vida. Minha história é uma folha de papel, na qual escrevo com lapiseiras. Erro sempre - isso é um fato. Seja ao dizer palavras duras demais a um amigo, seja por não dizer o que deveria para alguém querido. Seja por covardia, por precipitação, por omissão, por falta de autocontrole, por vaidade, por orgulho, por preguiça ou por indiferença. Eu erro. Felizmente, há conserto para os rabiscos e borrões mal-feitos. Porém, mais do que apagá-los e descartá-los da minha memória, posso guardar as lembranças do que um dia foram erros e usá-las para me ensinar. É muito bom começar de novo, com a cabeça erguida rumo a novos horizontes, mas se não procurar aprender com os erros que cometo, se não mensurá-los, corro o risco de andar em círculos. A ausência de lembranças pode me fazer cair na tentação de fingir que nada aconteceu. O corretivo é um remendo mal feito; passo a tinta branca por cima, mas não conserto nada - apenas encubro. O erro continua lá. Por isso quero sempre usar borracha. Para que consiga ver a consistência dos meus erros e para que aprenda com eles. Para que eu tenha certeza de que estou apagando, não encobrindo. Quero ver os fiapos, e guardá-los se precisar. Não para remoer uma derrota, ou ficar presa ao passado, mas para sempre me lembrar de quem sou e do que sou capaz de fazer.

Paula Mazzini
Originalmente publicado em Ostra Vagante

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