"Pulando muros": o professor e o adolescente
Minha trajetória como educador é bem curta, mas minha vivência com o
ambiente escolar é bem grande se comparado aos padrões brasileiros.
Desde 2006 tenho me dedicado ao ofício de educador. Já atuei em escolas
particulares, mas a maior parte da minha carreira me dediquei às
instituições públicas de ensino. Estar em uma escola pública já tem sido
uma constante em minha vida. Cursei toda educação básica em escolas
estaduais aqui de São Paulo e, apesar do filtro social do vestibular,
consegui me graduar em História também em uma instituição pública do
estado de São Paulo. Hoje sou professor de História em uma escola da
rede estadual na zona norte de São Paulo.
Ao longo desses anos algo que sempre me chamou a atenção foram os
muros que se levantam dentro e à partir da escola. Considero que o
documentário "Pro dia nascer feliz" (2007), de João Jardim, e o filme
"Entre os muros da escola" (2008), de Laurent Cantet, ilustram muito bem
os diferentes muros que se erguem na escola, que vão desde o muro
físico que separa a escola da comunidade, aos muros sociais que separam
estudantes do conhecimento.
Desde quando eu era estudante até hoje o muro que separa o professor
dos alunos sempre me incomodou muito. Confesso que me irritava
profundamente com uma professora da universidade em que estudei que
sempre que podia afirmava, erroneamente, que a palavra aluno significa
“sem luz”. Geralmente ela dizia isso quando o movimento estudantil
contrariava suas opiniões em reuniões do Conselho Universitário.
Infelizmente essa forma de tratar os alunos como pessoas sem nada a
contribuir, como meros receptores de conhecimentos, é muito comum nas
escolas. E em relação aos adolescentes esse comportamento não se
restringe à escola. Geralmente os adolescentes são vistos como seres sem
luz. Suas ações, escolhas, opiniões e gostos são ridicularizados.
Recentemente estive na Conferência Municipal da Juventude da cidade
de São Paulo e no grupo de trabalho que participei, juventude e
educação, a maioria dos presentes eram adolescentes preocupados com os
rumos da educação brasileira. Todos eles cheios de disposição e
propostas para mudanças para a educação e para o país. Foi triste ouvir
um rapaz de quinze anos reclamar que um de seus professores referiu-se
aos alunos de sua escola, na periferia de São Paulo, como “lixos”. O
fato deste adolescente estar presente num debate sobre educação em
contraposição à ausência de seu “professor” revela muitas coisa, entre
elas a importância de pararmos para ouvir a juventude, em específico os
adolescentes.
Uma experiência me marcou muito esse ano. No primeiro semestre um de
meus alunos veio me procurar para uma conversa durante a aula. Depois de
iniciar as atividades com os demais alunos sentei pra conversar com
ele. Ele me contou sobre a aula do dia anterior em que um professor
havia provocado uma discussão na sala sobre o cristianismo. O professor
sustentava a tese de que Jesus Cristo não era divino, apenas um homem
comum, casado e pai de filhos; já o meu aluno e alguns colegas defendiam
o caráter divino de Cristo. Após contar o feito, ele me pediu indicação
de bibliografia para que pudesse estudar mais o assunto. Na semana
seguinte começamos a estudar a vida de Jesus Cristo através das
escrituras, toda sexta-feira durante o intervalo de aula.
Fico feliz por essa oportunidade que Deus tem me dado de estar mais
perto deles. A partir dessa experiência tenho conseguido aprender com a
coragem, provar da sede de justiça e de me contagiar com a alegria
desses adolescentes.
Certa vez ouvi que o Evangelho nos aproxima das pessoas. Essa
afirmação me parece muito verdadeira, afinal, o esforço de encarnar o
Evangelho implica em compaixão, sentir a dor do outro, amar ao próximo
como a si mesmo. Esse execício contínuo ajuda a derrubar o muro que nos
separa e nos faz ter uma compreensão melhor de nosso semelhante. Que
Deus nos ajude a quebrar as barreiras que nos separam e nos impedem de
aprender mais dEle através dos adolescentes.
Isaías Carvalho
Professor de História
Diretor Secretário da ABUB
Retirado do Blog da ABUB
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