Hábitos que transformam
Por Ricardo Barbosa
Em 1989, o reverendo
John Stott veio ao Brasil para falar num dos congressos da VINDE — Visão
Nacional de Evangelização. Depois de uma de suas palestras, nos reunimos para
conversar com ele. Era um grupo pequeno de jovens pastores, sentados em torno
de um dos maiores expositores bíblicos da nossa geração, perto de completar 70
anos. A conversa seguiu animada. Ele nos deu liberdade para perguntas pessoais
e, entre outras, não faltaram aquelas sobre o porquê de não se casar.
Porém, de todas,
guardei apenas a resposta que ele deu quando lhe perguntaram sobre a razão do
seu longo ministério tão frutífero. Ele respondeu: “Leio a Bíblia e oro todos
os dias, vou à igreja todos os domingos e nunca falto à celebração da
Eucaristia”. A resposta foi surpreendente por sua simplicidade.
Sabemos que ler a
Bíblia e orar todos os dias, ir aos cultos e participar da Ceia nunca foram,
por si só, sinais confiáveis de espiritualidade, muito menos um caminho seguro
para a maturidade. Muitas pessoas fazem isso por puro legalismo. Por outro
lado, sabemos também que não fazer nada disso é um caminho seguro e certo para
o fracasso espiritual.
O doutor James
Houston, criticando o abandono da leitura devocional em nossos dias por uma
literatura funcional e pragmática, afirma: “Os hábitos de leitura do chiqueiro
não podem satisfazer a um filho e aos porcos ao mesmo tempo”. Ao usar a imagem
da Parábola do Filho Pródigo, ele nos chama a atenção para o risco de nos
acostumarmos com a vida do chiqueiro. Para Houston, as práticas devocionais nos
ajudam a perceber que existe algo maior e mais excelente na vida de comunhão
com o Pai.
O reverendo A. W.
Tozer (1897-1963) escreveu um artigo afirmando que “Deus fala com o homem que
mostra interesse”, e que “Deus nada tem a dizer ao indivíduo frívolo”. Mais do
que cultivar o hábito de ler a Bíblia, orar e participar do culto, o que na
verdade fazemos quando cultivamos estas práticas devocionais é demonstrar o
interesse vivo que temos por Deus e por sua Palavra.
Da mesma forma como
a vida necessita do básico (ter o suficiente para comer e vestir, onde
descansar), a natureza da vida espiritual repousa sobre o que é essencial
(Bíblia, oração, comunhão, adoração e missão). São esses hábitos básicos que
nos colocam no lugar onde podemos experimentar a graça de Deus e crescer.
Há hoje muita oferta
para a vida e para a espiritualidade. A sedução do supérfluo despreza o
essencial. Vivemos o grande perigo de negar o básico, achando que podemos
experimentar a graça de Deus e provar sua bondade e amor sem nos aquietar e
deixar que sua Palavra molde nosso caráter, que a oração fortaleça nosso
espírito e que a comunhão nos sustente em nossa identidade como povo de Deus.
As disciplinas
espirituais básicas cultivadas pelo reverendo Stott ao longo de sua vida
formaram seu caráter como cristão. Nada pode substituir a prática diária da
oração nem a leitura devocional das Escrituras. Nada substitui o valor do culto
comunitário nem o mistério da eucaristia. O cultivo destas disciplinas requer
de nós não apenas tempo e perseverança, mas também humildade e coragem para
sermos transformados pelo poder de Deus.
Deus não nos chamou
para a realização pessoal, mas para a comunhão pessoal e íntima com ele e o
próximo. Deus não nos chamou para sermos operários agitados do seu reino, mas
para amá-lo e amar ao próximo de todo o coração. Os hábitos devocionais
libertam-nos da “normalidade” do chiqueiro e nos transportam para uma
existência de comunhão com Deus que enobrece a vida. São estes hábitos que
preservam nossos olhos voltados para o alto, para que, aqui na terra, nossa
existência ganhe a grandeza dos ideais divinos.
As práticas
devocionais fazem parte do processo formativo da alma diante de Deus.
Precisamos cultivá-las a fim de permanecermos em sintonia com o reino de Deus,
que molda o nosso caráter em Cristo. É a palavra de Deus que devolve a vida aos
“ossos secos” da agitação moderna.
Publicado Originalmente: Igreja Presbiteriana do Planalto
Comentários
Postar um comentário