Compromisso com as Escrituras: caminho para a transformação




“Dá-me entendimento, para que eu guarde a tua lei e a ela obedeça de todo o coração. Dirige-me pelo caminho dos teus mandamentos, pois nele encontro satisfação”. (Salmo 119: 34,35) 


“Ouçam-me cuidadosamente, rogo-lhes... Adquiram livros que sejam remédios para a alma... Ao menos consigam uma cópia do Novo Testamento, as epístolas dos apóstolos, o livro de Atos, os Evangelhos, e tomem-nos como seus mestres constantes... Não apenas mergulhem neles mas nadem também. Mantenham-nos constantemente em mente. A raiz de todos os males é a falta de conhecimento das Escrituras”. João Crisóstomo (347-407)

Uma linda visão tem nos animado e desafiado nos últimos anos. Temos afirmado que ela é a nossa visão para os próximos dez anos, mas na verdade podemos reconhecer, de muitas maneiras, que ela já está entre nós há muito tempo, desde os primórdios deste movimento “de” e “para” estudantes. Essa visão comunica aquilo que desejamos ser: “estudantes que formam comunidades de discípulos transformados pelo Evangelho, para impactar o mundo estudantil, a Igreja e a sociedade para a glória de Cristo”. Sem dúvida, uma meta especial!

Poderíamos nos debruçar sobre os vários elementos que formam esta visão, imaginando as implicações e desdobramentos de cada um para a nossa tarefa missionária. Porém, pensando nos propósitos deste breve artigo, gostaria de focalizar nossa atenção na expressão central “transformados pelo Evangelho”. Ela liga o que “somos” ao que “fazemos”; sustenta de maneira inseparável o nosso “ser” e o nosso “fazer”, nossa “identidade” e nossa “missão”! Nossa identidade como discípulos será marcada por esta “transformação” contínua, operada por Deus através de Sua Palavra, e o resultado gradativo deste processo será uma nova onda de transformação, “para fora”, um impacto comunitário (“estudantes que formam comunidades”) e duradouro em nossas escolas, universidades, igrejas e cidades.

Costumamos afirmar corretamente que a Bíblia possui um papel central em nossa caminhada como movimento, e buscamos traduzir isso em nossos programas de formação e, até mesmo, em nossa prática missionária! Não por acaso, nem por mero “costume”, o estudo e a exposição da Bíblia possuem um lugar de destaque em nossos encontros e atividades. 

A palavra revelada de Deus é o nosso texto por excelência – a “lente” principal por meio da qual conseguimos “ler” a realidade, e não o contrário. Mas é claro, para que a Bíblia seja realmente primordial, nossa “palavra primeira”, ela deve “dialogar” e ter algo a dizer à “palavra segunda”, que é o contexto no qual vivemos. Jorge Atiencia, que foi Secretário de Capacitação da CIEE na América Latina, diz que “esta é uma aproximação existencial à Palavra, onde o ser é tão importante como o conhecer”. E prossegue: “A Bíblia não é um manual de doutrinamento para programar a conduta. É um manual de vida; quando leio, respondo a ela como uma pessoa livre, em uma situação histórica concreta. A Palavra de Deus me encontra como um ser ativo, me propõe um caminho e me convida a tomar uma decisão: ‘Escolhe, pois, a vida’ (Dt 30:15)”.

Outro elemento importante nesta discussão tem a ver com o objetivo do estudo bíblico. O Pr. Osmar Ludovico nos lembra que “o Deus em quem cremos é Logos, Palavra. Ele tem voz, fala face a face como um amigo... e deseja se fazer conhecido”. A Palavra de Deus nos põe no caminho do encontro com o Deus da Palavra. Ou, colocando em outros termos, a palavra escrita nos conduz à Palavra Viva de Deus: Jesus Cristo. E em Jesus Cristo conhecemos a Deus como Ele é, e ao homem como deveria ser. Ainda segundo Osmar, “as Escrituras devem ser vistas como expressão de amor de um Deus sequioso por estabelecer vínculos de intimidade com sua criatura. Imersos nesse amor, lemos a Bíblia com olhar diferenciado. As Escrituras deixam de ser listas de doutrinas ou regras, tornando-se cartas de amor de um Deus apaixonado, como o noivo que ansiosamente aguarda a noiva”.

Devemos sempre dar o devido valor para o fato de que as Escrituras Sagradas expressam a “revelação especial” de Deus aos seres humanos. A palavra “revelação” é derivada do latim revelatio (“tirar o véu”), e descreve a ação por meio da qual uma coisa que estava escondida por uma cortina é descoberta e, assim, exposta à visão. Isso é muito importante, pois aponta para a iniciativa de Deus de se fazer conhecido; o que implica no fato de que nós jamais poderíamos conhecê-lo, a não ser que ele tomasse a iniciativa de se fazer conhecido. E o clímax da revelação de Deus foi seu Filho encarnado, o Verbo que se fez carne. Como nos ensina John Stott, “o único Cristo verdadeiro é o Cristo da Bíblia. O que a Escritura fez foi capturá-lo para presenteá-lo a todas as pessoas em todos os tempos em todos os lugares. Se o que se quer é uma descrição do clímax da revelação de Deus, vamos encontrá-la no Cristo histórico e encarnado e em sua expressão total no testemunho bíblico”.

Por fim, enquanto afirmamos a iniciativa de Deus em se fazer conhecido, por meio de sua “autorrevelação” especial nas Escrituras, também relembramos nossa responsabilidade de nos aproximarmos dela com uma dupla atitude – reverência e disposição para estudá-la. Isto porque temos como crença fundamental o que podemos chamar de “dupla autoria das Escrituras”: a Bíblia é, ao mesmo tempo, Palavra de Deus e palavra de homens; ou melhor ainda, é a Palavra de Deus expressa em palavras humanas. Novamente, citando John Stott, “sendo a Bíblia o tipo de livro que é, temos de assumir duas posturas distintas, mas complementares, em relação a ela. Por ser ela a Palavra de Deus, nós a devemos ler como a nenhum outro livro – de joelhos, em atitude de humildade, reverência, meditação e submissão. Mas, como ela é também palavra de seres humanos, devemos lê-la como se lê qualquer outro livro, considerando bem o que ela diz e com uma mente ‘crítica’”.

Que as palavras de Jesus, extraídas do livro de Deuteronômio, continuem sempre atuais e renovadas em nossa caminhada pessoal e comunitária: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mateus 4:4).

Sola Scriptura!


Por Reinaldo Percinoto Junior
Secretário Geral da ABUB
Publicado originalmente no site da ABUB                   



Bibliografia
HALL, Christopher Alan. Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja. Viçosa: Ultimato, 2000.
ATIENCIA, Jorge; ESCOBAR, Samuel; STOTT, John. Así Leo la Biblia. Barcelona, Buenos Aires, La Paz: Certeza Unida, 1999.
LUDOVICO, Osmar. Meditatio. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
STOTT, John. A Verdade do Evangelho. São Paulo: ABU Editora, 2000.

Comentários

  1. Realmente o que minha caminhada com a ABS daqui tem me mostrado é tudo isso que o Reinaldo disse! Muito bom o texto! Temos que também tomar cuidado para não ficarmos só no texto e esquecermos do nosso relacionamento com Deus... :)

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