Sem Medo



Uma das perguntas que mais gostava de fazer para puxar assunto com meus amigos no meio de um profundo silêncio era “qual é o seu maior medo?”. Na época, acredito, o objetivo era ter o que  conversa, ou conhecer melhor minhas amizades – penso ser este o principal motivo. Mas, vendo hoje, além dessas duas coisas, sentia (e ainda sinto) a necessidade de encontrar nos outros um pouco da humanidade que encontro em mim mesmo, o que me motivava a fazer a tal pergunta. E acredito que não há sentimento mais humano do que o medo. Isso porque este denuncia nossa estrutura ínfima, impotente, diante dos diversos gigantes que, vez ou outra, aparecem para nos assustar. E, sim, somos dependentes de algo que nos dê segurança e nos livre desses gigantes.


Eu sinto medo – de várias coisas, inclusive. Mas acho que hoje lido melhor com essa minha realidade. Parte porque a maioria dos meus amigos toparam responder a essa pergunta, o que fez não me sentir sozinho no mundo dos “medrosos”. E mais do que isso. Vi-me fazendo parte de uma simbiose terapêutica: ao me identificar com o sofrimento do outro e ver o outro se identificando com meus receios e dúvidas, aos poucos víamos nossos gigantes se tornando menos assustadores e, as vezes, até sumindo. A amizade é mesmo uma benção.

Mas essa não é a única razão. Sou devedor à graça que me revela Cristo como aquele capaz de tornar um ser humano pecador e medroso no filho do Deus criador de todas as coisas, o Deus de amor. Que, alias, afirma fazer fugir todo o medo, com sua natureza amorosa (I Jo. 4.17.18). Eu seria um pouco clichê – e nada humano – se neste momento entrasse no discurso de que “Sou outra pessoa! Nada me amedronta agora, pois sou filho do Deus amor. Aleluia!”. Além de, claro, estar mentindo. Como disse, ainda sinto medo. A diferença é que ele não me domina.


Recentemente estudei junto com os adolescentes de minha igreja a carta de I João. Vimos como o apóstolo, de forma apaixonada e apaixonante, aborda a Palavra da Vida como algo da qual o seu espírito e o de toda humanidade depende completamente. “A mensagem que ouvimos sobre essa palavra da vida é que Deus é luz” e os que andam sob o cuidado desse Deus enxerga a natureza caída do homem, a natureza perfeita e santa de Cristo, que preserva a vida, e a natureza da nova identidade, sonhada desde antes da fundação do mundo, que o “Deus Luz” nos dá de presente em Jesus. Esta nova identidade apresenta um comportamento diferente do que costumávamos ver em nós: uma alegria plena, baseada na verdade; nos possibilita a comunhão entre outras pessoas; nos faz livres do peso do pecado; nos torna mais humildes, ajudando-nos a reconhecer com mais facilidade que estamos sujeitos a falhas, e que ao confessarmos com sinceridade nossos pecados “Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (I Jo. 1.9). Essa natureza se mostra mais conhecedora de quem Deus é, pois insiste em obedecer o que Ele manda, e isso acarreta num desfrute maior do amor divino. Enfim, essa natureza reflete o próprio Cristo e nos diz que devemos andar como ele andou.

Apesar de amar essa identidade, que creio ter (mesmo) recebido de Deus, sinto-me muitas vezes distante de vivê-la toda. E isso é realmente frustrante. Mas sou consolado ao ouvir palavras como “se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai” (I Jo. 2.1b) ou “todo aquele que tem esta esperança [de que seremos semelhantes a ele, quando ele se manifestar] purifica-se a si mesmo” (I Jo.3.3). É como se João dissesse “você recebeu, sim, essa nova identidade ao passar para luz, mas precisa aprender a usá-la, já que você está viciado na natureza antiga. E não há pessoa melhor para te ensinar como fazer isso do que o próprio dono da identidade, Jesus, que garante fazer a obra completa em você”.

O que isso tem a ver, afinal, com aprender a lidar melhor com o medo? Penso que o medo intensifica a imagem distorcida do pequeno ser que somos. Somos realmente limitados e incapazes de lidar com diversas coisas na vida. Mas o medo, além de escancarar essa natureza, desvia o nosso foco de quem nos completa e de quem é capaz de realizar aquilo que não podemos. Quando disse que não existe sentimento mais humano do que o medo, a palavra “humano” referia-se à identidade manchada pelo pecado, aquela que se acha suficientemente capaz de viver fora dos cuidados de Deus, mas totalmente incapaz de reconhecer sua limitação. O medo, nessas circunstâncias, é inevitável. E a impossibilidade de experimentar o amor que lança fora o medo também, já que o natural para essa identidade é viver a parte do Deus que é amor.

Para os que assumem a nova identidade em Cristo, o medo (que não é pecado) assim como o próprio pecado, é algo identificado sob a presença da luz. Tendo Cristo ao meu lado, ensinando-me a andar como ele andou, vejo aos poucos ele me mostrando que o Espírito que ele derramou sobre mim não é de covardia, e sim o de adoção (Rm. 8.15), o que quer dizer: como filho, Deus toma cuidado para tratar todas as áreas deficientes da minha vida, e se revela potente onde eu sou impotente. Lentamente vejo que, como uma criança vai aprendendo a ver que os monstros na parede do quarto numa noite de chuva não passam de sombras dos galhos de uma árvore, ao ter a luz acesa pelo pai, Deus vai iluminando alguns cômodos da minha vida, e já não faz mais sentido olhar para as “sombras” e tremer de medo. Deus está comigo!

Claro, isso vai acontecendo aos poucos, na caminhada, sob a luz. E caminho fortemente motivado pela esperança: um dia serei como meu Pai, e tudo será claro, o mal não mais reinará, e eu não terei que lidar mais com o medo, pois ele já não mais existirá. Terá fim. Aleluia.


Professor da UPA (Escola Dominical)

PS: O texto escrito após o acampamento da IPV (Seguindo a Verdade em Amor) ano passado (309/2011), quando o Lucas conversou conosco sobre a carta de I João.

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