Me inclua fora disso
Marina Silva, na Folha de S.Paulo
A transição vivida pelo Brasil -que, sendo uma economia emergente,
caminha rumo à posição de país desenvolvido- não pode, em nome dos
desejáveis e necessários ganhos, levar-nos a uma atitude de
complacência. Ainda há muito chão a ser vencido.
Relatório recentemente divulgado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas
para a Infância) revela o que muitos ainda não querem ver. Intitulado
“O direito de ser adolescente”, o documento apresenta uma radiografia da
situação dos adolescentes brasileiros, uma realidade chocante e
desafiadora. São 21 milhões de cidadãos com idades entre 12 e 17 anos, e
destes, 20% estão fora da escola.
Parece difícil acreditar, mas pelo menos um quinto de nossos
adolescentes está longe do que há de mais importante nesse período da
vida: educação. Fora da escola, eles estarão, em sua maioria, condenados
ao subemprego e à baixa remuneração, impedidos de ascender socialmente e
convidados a engrossar estatísticas que, durante muito tempo, têm
envergonhado o país. Eles terão tudo para reproduzir as condições de
pobreza em que estão inseridos.
Ao contrário do que se esperava, o percentual de adolescentes vivendo
em famílias extremamente pobres cresceu entre 2004 e 2009, passando de
16,3% para os atuais 17,6%. Ou seja, a pobreza recua na população
brasileira em geral, mas cresce entre eles.
Há algo em nossas políticas de combate à pobreza que precisa ser
ajustado. Sem mais investimentos em educação, sem um bom ensino médio,
sem uma escola eficiente e prazerosa, capaz de fazer parte de suas
vidas, esses adolescentes ficarão do lado de fora daquele futuro tão
esperado pelo povo brasileiro.
Talvez haja consenso de que o foco das políticas públicas deva ser
dirigido às crianças e aos adolescentes, mas eles estão ficando de fora
de onde deveriam estar: na escola.
Continuam muito vulneráveis à miséria e à violência. A cada dia, 11
adolescentes são assassinados no Brasil. Ainda segundo a pesquisa, dos
4,3 milhões de brasileiros com idades entre 5 e 17 anos que exercem
algum tipo de atividade laboral, 77% (ou 3,3 milhões) têm entre 14 e 17
anos. Mais: com base em dados do IBGE, o número de lares chefiados por
adolescentes mais do que dobrou em uma década: são 661 mil.
O relatório do Unicef acerta ao ir além das estatísticas, ouvindo
adolescentes e buscando conhecer realidades muito específicas, como a de
quilombolas e a de indígenas -que vivem em situação ainda mais
dramática. Esses jovens deixam de ser número e ganham cara e voz. Assim,
cada um deles pode repetir, em coro, bem perto de nós, em paradoxal
jargão adolescente: “Me inclua fora disso”.
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